A Música Autoral em Lagoa da Prata

Quem faz acontecer o cenário da música autoral independente em Lagoa da Prata? Um bate papo com as bandas Cabal Tribal, BIMA e Área de Conflito.

Sabemos quão importante é a arte em Lagoa da Prata, cidade do interior de Minas Gerais, carinhosamente apelidada de “Princesinha do Oeste”. Por aqui, a gente vê diversas formas de manifestação artística culturais, como a dança, fotografia, pintura, trabalhos artesanais, gastronomia, literatura, intervenções urbanas e dentre tantas outras, a música, que por aqui pulsa tão forte e ricamente.

É grande a listagem de músicos e bandas na cidade, profissionais da música que exercem a trancos e barrancos a profissão que, por aqui, mesmo sendo tão requisitada, ainda é bem desvalorizada. E pior a coisa fica quando falamos dos trabalhos autorais desses músicos e bandas, que por vezes só conseguem fechar shows quando é necessário que o repertório seja de músicas de outros artistas.

Não é de hoje, a gente sabe, tão pouco isso acontece somente em Lagoa da Prata. Quando falamos em música autoral a conversa rende e é preciso que isso seja sempre colocado em pauta.

Foi de perceber a falta de espaços para músicos e bandas apresentarem suas composições que nasceu o Lacustre, o maior festival de música autoral de Lagoa da Prata. Organizado por várias pessoas da sociedade, dentre elas, diversos músicos, que começaram a questionar o espaço para a música autoral dentro desses eventos de cunho sócio cultural que já aconteciam na cidade.

Quem faz acontecer a música autoral em Lagoa da Prata?

O cenário autoral e independente em Lagoa da Prata, vem sendo construído pelas próprias bandas ao perceberam a falta dos palcos que recebessem a música autoral. A ânsia em apresentar suas criações, geraram em sua maioria a busca por esses espaços.

Um exemplo, é a banda Bicho Mecânico de Asas (BIMA) que desde o seu início lá em meados de 2011, teve como foco um repertório formado em sua maioria por músicas autorais. E, para fazer o som acontecer, a banda sempre esteve antenada aos festivais, coletivos da região, corres independentes e até mesmo fazendo acontecer as próprias gigs.

“Desde o início da banda procuramos compor e tocar música autoral, mas só em 2019 lançamos nosso primeiro EP, ‘Longe de Tudo, Longe de Nada’, com 6 faixas. A gravação foi feita por Lucas Sagaz e Michel Custódio. Em Abril deste ano, produzimos e lançamos através do selo Limestone Records, o nosso primeiro álbum, ‘Cozinha‘. Com 7 faixas, o álbum foi gravado ao vivo, na cozinha da roça da Carol (vocalista e guitarrista da banda). Ambas as produções foram totalmente independentes e mixadas por Michel Custódio e Daniel Mudo.” Conta Débs Rezende, que comanda os sintetizadores da BIMA.

 Em parceria com o Coletivo Nexalgum, a Bicho Mecânico de Asas recebeu diversas bandas autorais e independentes no festival ‘Conexão Independente’ e, também, já rodou diversas cidades de Minas Gerais, com apoio de outros coletivos e bandas autorais.

Outra banda que também encara a música autoral é a Cabal Tribal, formada em 2003, talvez seja a banda lagopratense mais antiga em atividade, conta o baixista André Oliveira que “a Cabal sempre foi engajada em compor sons autorais, prova disso é o disco homônimo, lançado em 2004 com 7 músicas autorais, algumas delas inclusive são pedidas até hoje nos shows. Após algumas mudanças internas na banda, a gente só foi produzir algo novo em 2017, lançando um EP com 3 músicas, porém mudando um pouco a linha de composição e letras cantadas em inglês. Em 2018 a gente entra pro estúdio pra fazer o 2º disco com a previsão de lançamento em 2020, porém com a pandemia de COVID-19 fomos forçados a adiar os planos. Mas ainda continuamos a compor sons novos, inclusive temos algumas músicas prontas e vários riffs que certamente irão se tornar música! “.

É possível ver que a cena da música autoral e independente em Lagoa da Prata, acontece em sua maioria pelo próprio corre das bandas, que sentem a falta de apoio e incentivo, seja dos produtores de eventos, donos de casas de show ou até mesmo do público, que vamos combinar que precisam sair um pouco do conservadorismo e estar mais receptivos às novas produções sonoras.

Débs conta que “o cenário da música autoral independente em Lagoa da Prata é muito rico, porém pouco incentivado. Não há muitas oportunidades para fazer shows, já que a maioria dos produtores de eventos e casas de shows tendem a priorizar, dentro do rock, o cover, por acharem que esta é a preferência do público. Mas acredito que temos muita música boa por aqui. Só precisamos de apoio e incentivo para tocar cada vez mais.”

No mesmo sentido, André completa que “acredito ainda que a ascensão de estilos de musicais mais populares nos veículos da grande mídia, nos deixa cada vez mais restritos, e cabe a gente divulgar da forma correta e nos locais certos. Às vezes é difícil marcar shows com músicas autorais e nem todos estão dispostos a ouvir seu som novo, mas depende muito do tipo do evento. Se for evento destinado à divulgação de sons autorais, não há dificuldade, porém quando é um evento pago, ou em praça pública para grandes públicos é mais complicado, e a gente fica doido pra colocar as músicas novas no repertório, tendo em vista o dinheiro e tempo investidos nas produções.”

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Foto: Arquivo Cabal Tribal

André finaliza dizendo que “o cenário de música autoral em Lagoa está mais aquecido do que nunca! Graças aos eventos promovidos pelo Coletivo Nexalgum temos a oportunidade de apresentar nossas músicas. Já em bares e locais pagos há uma certa dificuldade para inseri-las no repertório.”

O que move?

É uma luta diária e constante para o músico que compõe e quer se fazer ouvido. Além de músico, por vezes tem que desenvolver outros papéis, como o de produtor, booking agent e até mesmo o de profissional do marketing, para que as coisas aconteçam. E mesmo diante de tantas dificuldades e falta de incentivo, esses músicos e bandas continuam seus trabalhos musicais, pelo amor às suas próprias músicas.

É definitivamente muito mais emocionante fazer show tocando músicas das quais ajudei a compor. É mais emocionante ainda, ver o público reconhecendo e cantando as músicas. É um quentinho no coração diferente.” diz Débs.

Conta André que “tocar um som autoral é sempre mais legal, traz mais sentimento e identidade para a banda e ao momento. Sem falar que a gente reflete nas músicas autorais todos os sons das bandas que temos de referência. É um compilado de tudo que ouvimos e gostamos, juntos numa única composição.”

Área de Conflito é uma das bandas mais recentes de Lagoa da Prata, que também chega com a proposta da música autoral e, segundo o vocalista Gustavo Zika: “compor as próprias músicas sempre foi o nosso foco. É muito melhor tocar algo próprio, principalmente naquele momento em que o batera acerta uma virada que encaixa perfeitamente ou o guitarrista lança aquele riff fodid* e todo mundo olha pra cara um do outro fala “caralh*, ficou fod* hein?” kkkk vamos manter assim”, sabe? Isso aí é a melhor parte, quem compõe vai entender” brinca o músico.

Valorizar o que é produzido na cidade, já!

Salienta Débs as dificuldades que ela visualiza no cenário: “acredito que rock autoral seja difícil de atingir e chegar até as pessoas. Isso dificulta tanto para marcar shows, quanto para gravar. Existem poucas casas de shows e festivais na região que priorizam e apoiam a cena autoral. Geralmente são pessoas ou coletivos que fazem por amor a causa e não pela questão financeira, que também fica prejudicada. O que acaba dificultando mais ainda na hora de gravar, pois é um processo um pouco caro para bandas independentes.”

É preciso dar espaço e valorizar o que é produzido em nossa cidade, pois a música também faz parte da nossa cultura, nos molda e diz quem somos. Abrir as portas das casas de shows e bares para que os músicos possam ter a liberdade para tocar sua própria música e incentivar o público a conhecer novos sons, é um papel fundamental do produtor de eventos e até mesmo das entidades públicas.

André enfatiza que “é de extrema importância os eventos que incentivam as produções autorais na nossa cidade. Há muita gente boa que precisa de espaço e oportunidade para apresentar seus trabalhos, e dessa forma contribuir e muito pra história autoral da cidade!”

Conclui Débs que “com certeza a valorização da música autoral é muito importante para a cultura da cidade. Falta mesmo o incentivo, principalmente público, para que a música alcance mais pessoas. Temos muito potencial cultural em Lagoa da Prata. Precisamos de espaço e incentivo!”

O Coletivo Nexalgum veste a camisa e procura sempre que as lines up de seus eventos sejam compostas em sua maioria por bandas autorais e independentes, que encaram de frente o que é fazer música e assim, aos poucos, apoiando e incentivando mais bandas a entrarem para esse cenário. Nexalgum junto às bandas, a música autoral resiste em Lagoa da Prata!

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